Uma das discussões mais polêmicas quanto às grandes plataformas digitais gira em torno da constitucionalidade do art. 19 da Lei 12.965/2014 (“Marco Civil da Internet”), que versa sobre a responsabilidade (ou isenção de responsabilidade) do provedor de aplicação de internet por danos decorrentes de conteúdos gerados por terceiros, em casos em que não há ordem judicial para remoção.
O Marco Civil da Internet e as ações no STF
O tema, polêmico por tocar em questões como liberdade de expressão e capacidade de monitoramento pelas plataformas, já circula no Supremo Tribunal Federal (STF) há alguns anos e teve origem em virtude de duas principais ações, em 2017 e 2018, que culminaram em condenações por danos morais em segunda instância contra duas das maiores plataformas digitais do mundo, em virtude de conteúdos gerados por terceiros em suas aplicações.
Os dois principais temas discutidos, 533 e 987, tramitam perante o STF em sede de Recurso Extraordinário e foram alvo de diversos debates ao longo de seus anos de tramitação, sempre envolvendo a compatibilidade entre liberdade de expressão e outros direitos constitucionais, como a honra, a imagem e a dignidade da pessoa humana, supostamente tornados vulneráveis pelo art. 19 do Marco Civil da Internet.
O processo de julgamento e a nova interpretação
Em março de 2023, o STF realizou audiência pública, com a participação de diversos setores da sociedade, mas adiou o julgamento para 2024. O julgamento foi retomado em 4 de junho deste ano, sendo que em 11 de junho foi formada maioria para reinterpretar o art. 19, visando à responsabilidade das plataformas digitais em relação aos conteúdos gerados por terceiros. Apesar de ainda estar pendente de decisão final, tudo indica que a responsabilização é inevitável, mas ainda há divergência no entendimento dos ministros quanto ao “limite da inconstitucionalidade” e quais serão as novas responsabilidades das plataformas.
Nota-se que a redação original do artigo 19 visava à proteção da liberdade de expressão, havendo responsabilidade de remoção de conteúdos apenas mediante ordem judicial. No entanto, após a decisão do STF, as plataformas serão obrigadas a remover conteúdos – o que pode ser caracterizado como censura – previamente às decisões judiciais, levando a questões ainda mais controversas.
Por consequência, não será incomum a remoção de conteúdos por parte das plataformas digitais, diante do receio de responsabilização e eventual judicialização dos temas, o que por si só pode configurar censura prévia.
Impactos e riscos da decisão
Diante desse cenário, o número de demandas judiciais pode aumentar significativamente, seja em busca de eventuais indenizações por danos causados por conteúdos não removidos, seja pela remoção indevida de conteúdos que foram classificados como “inadequados” pelas plataformas (lembrando que ainda não houve discussão a respeito dos efeitos do julgamento, se retroativo ou não).
Ainda nessa mesma linha, é esperado que o custo operacional para provedores de aplicações de internet seja significativamente aumentado. Considerando que é humanamente impossível monitorar e classificar todo conteúdo publicado em redes sociais, as grandes plataformas precisarão implementar uma série de tecnologias e medidas para um monitoramento célere e automático, o que também pode levar a erros, seja por falsos positivos ou falsos negativos em relação aos conteúdos.
Para as pequenas plataformas o impacto será ainda mais significativo, considerando a impossibilidade de cumprir com as eventuais novas obrigações, frente ao aumento de custos e à potencial judicialização em virtude de conteúdos publicados.
Por fim, a nova interpretação da regra prevista no art. 19 pode abrir margem para uma concorrência desleal, onde as plataformas digitais podem ser prejudicadas por terceiros de má-fé que passem a gerar propositadamente conteúdos lesivos. Assim, o risco operacional para as plataformas se torna ainda maior.
Considerando a maioria já formada pelo STF no julgamento acima referido, apesar de ainda ser possível a definição de certos limites quanto às obrigações a serem impostas às grandes plataformas (em virtude da interpretação dada ao art. 19 do Marco Civil da Internet), o futuro do uso das redes sociais e das grandes plataformas de internet no Brasil, especialmente quanto ao exercício da liberdade de expressão dos usuários e os riscos acima destacados, torna-se bastante incerto.
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